terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A Filosofia de LOCKE


A FILOSOFIA DE LOCKE
A FILOSOFIA DE LOCKE






NOÉ MARTINS DE SOUSA
(Professor de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará
de 12-08-1981 a 26-05-2012)







FORTALEZA-CEARÁ – 2016






A FILOSOFIA DE  LOCKE







SUMÁRIO


1 - VIDA E OBRAS DE JOHN LOCKE

2 - A TEORIA DO CONHECIMENTO:

 2-1- CRÍTICA À TEORIA DAS “IDEIAS INATAS”

  2-2- IDEIAS SIMPLES E IDEIAS COMPLEXAS

2.3 –CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A TEORIA DO CONHECIMENTO DE LOCKE

3 – A FILOSOFIA POLÍTICA – “SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO”

4 - CONCLUSÃO








A FILOSOFIA DE LOCKE

(Professor Noé Martins de Sousa)


1 - VIDA E OBRAS DE JOHN LOCKE

John Locke, um dos expoentes do empirismo inglês, nasceu em Wrington, Somerset, em 1632. Estudou em Oxford e em 1665 ingressou no serviço diplomático. Tornou-se conselheiro do conde de Shaftesbury e morou na França (1668-1670) onde conheceu os cartesianos e gassendistas. Regressando à Inglaterra, formou-se em medicina em 1674 e, como estava a serviço do conde de Shaftesbury e este envolveu-se em conspiração contra o rei Jaime II, teve que fugir para a Holanda em 1683. Depois da Revolução de 1688, voltou à Inglaterra onde ocupou vários cargos públicos. Faleceu em Oates, Essex, em 1704.

Suas principais obras são: Epistola de tolerantia (Cartas sobre a tolerância - 1689); Two treatises on government (Dois tratados sobre o governo[1] – 1690), onde defende e sistematiza o Liberalismo; Some thoughts concerning Education (Alguns pensamentos sobre a Educação – 1693); Reasonableness of Christianity (Racionalidade do Cristianismo – 1695); An essay concerning human understanding (Um ensaio sobre o entendimento humano – publicação definitiva em 1690).

            Sobre o “Ensaio a respeito do Entendimento Humano”, Locke escreveu 3 “Esboços” iniciais: dois em 1671 e um terceiro em 1685, que ficaram conhecidos como Draft A, Draft B e Draft C. (Draft significa esboço, rascunho, plano). Existe também uma variante de Draft A escrita por autor desconhecido, que os editores nomearam de Draft A 1.  No Brasil, a Editora da Folha de São Paulo, publicou o Draft A na “Coleção Folha Grandes Nomes do Pensamento” (São Paulo, 2015).

2 – A TEORIA DO CONHECIMENTO

 ¹ De modo geral, os editores publicam apenas o “Primeiro Tratado sobre o Governo”, de Locke, que realmente é o mais importante. Entretanto, no Brasil, a Editora Martins Fontes publicou uma tradução completa dos dois tratados, em São Paulo, 1998. Nós vamos citar a tradução da Martins Fontes, mas sempre que possível indicaremos a numeração das páginas correspondentes na publicação de “Os Pensadores”,  São Paulo, Abril Cultural, 1978 e reeditado em outras datas. Podemos citar, eventualmente, esta edição.

Sobre a Teoria do Conhecimento de Locke, vamos utilizar, essencialmente, sua principal obra sobre o assunto, que é o Ensaio sobre o entendimento humano.

2- 1 - CRÍTICA À TEORIA DAS “IDEIAS INATAS”

Locke, na “Carta ao leitor” que, geralmente, serve de prefácio ao seu “Ensaio sobre o entendimento humano”, faz o seguinte esclarecimento sobre o objetivo de seu livro:

“se fosse adequado incomodá-lo com a história deste Ensaio, deveria dizer-lhe que cinco ou seis amigos, reunidos em meu quarto e discorrendo acerca de assunto bem remoto do presente, ficaram perplexos, devido às dificuldades que surgiram de todos os lados. Após termos por certo nos confundidos, sem nos aproximarmos de qualquer solução acerca das dúvidas que nos tinham deixados perplexos, surgiu em meus pensamentos que seguimos o caminho errado, e, antes de nós nos iniciarmos em pesquisa desta natureza, seria necessário examinar nossas próprias habilidades e averiguar quais objetos são e quais não são adequados para serem tratados por nossos entendimentos ( Ensaio acerca do entendimento humano, pp. 135-136, edição brasileira de “Os Pensadores”, São Paulo, Abril Cultural, 1978).

            O livro trata, pois, da origem, dos limites e da validade do conhecimento humano. Que são ideias? De onde vem nossas ideias? Como se percebe a conveniência ou discordância entre as ideias? O Ensaio visa, portanto, “investigar a origem, certeza e extensão do conhecimento humano, juntamente com as bases e graus da crença, opinião e assentimento” (Ensaio..., Introdução, 2, p. 139; cf. Livro IV, Caps. XIV, XV, XVI).

            Locke começa seu estudo, sua pesquisa, pelas ideias. Ele define a ideia como “o termo mais indicado para significar qualquer coisa que consiste no objeto do entendimento quando o homem pensa” (ibidem, 8, p. 148). “Usei-o [o termo ideia] para expressar qualquer coisa que pode ser empregado pela mente pensante (idem, ibidem)[2].

            O primeiro livro do Ensaio se resume num ataque à teoria das ideias inatas de Descartes, dos escolásticos e de Platão. Desde Platão - e mais tarde com mais vigor – desde Descartes, havia uma crença tradicional segundo a qual as ideias, ou pelo menos algumas delas, eram inatas, isto é, “não nascidas”, mas eternas. Mesmo aqueles que não aceitavam a “origem” inata de todas as ideias, aceitavam pelo menos algumas ideias fundamentais, como a Ideia de Deus, de Perfeição, de Justiça, de Substâncias, de Número (ou seja, as ideias da matemática em geral), do princípio de identidade etc. Mas, existem realmente ideias ou princípios inatos na mente humana? Platão, por exemplo, afirma que sim. Faremos, a seguir, uma ligeira digressão para expor um resumo da “teoria das ideias inatas” de Platão, já que ele é o primeiro grande representante dessa teoria.

² “Toma Locke a palavra ideia num sentido que nem antes nem depois dele teve na filosofia; toma-a como tradução em língua moderna da palavra latina Cogitatio, usada por Descartes. Para Descartes, Cogitatio é pensée, pensamento, e pensamento é todo fenômeno psíquico em geral. Uma sensação é uma cogitatio; uma proposição o é também; uma afirmação ou negação da vontade o é também” (Manuel García Morente, “Fundamentos de filosofia”, pp. 178-179, São Paulo, Editora Mestre Jou, 1967).

            Platão distingue claramente dois tipos de conhecimento: o sensível e o intelectual. O primeiro é empírico, baseado na experiência das coisas físicas (sensíveis, palpáveis), que são transitórias e passageiras. Em verdade, este não é um conhecimento, mas uma opinião. O segundo tipo, o conhecimento intelectual, é perfeito e eterno. Por conseguinte, não deriva originalmente da experiência sensível, pois esta é sempre imperfeita, mutável e passageira. Por exemplo, a ideia de homem é perfeita, imutável e incorruptível. Mas o homem hic et nunc[3], real, concreto, de carne e osso, é corruptível, efêmero e ilusório. Nascem homens e morrem homens, aparecem e desaparecem, mas a ideia de homem permanece. Não muda, não se deteriora e não deixa de ser o que é. Eis por que tal ideia não pode surgir originariamente da experiência sensível, do perpétuo vir-a-ser, característico da filosofia de Heráclito, que só pode gerar a opinião e jamais o conhecimento. Desse modo, Para Platão, os conceitos ou ideias mentais (existentes em nós) são derivadas das puras formas (Éidos) das coisas. As formas puras ou ideias originais são estáticas (imutáveis) e eternas, preexistentes num outro mundo e de lá se projetam para caírem no Entendimento humano como princípios inatos ou a priori. Isto é, os conceitos não nascem de fora ou a posteriori (pelos sentidos, pela experiência), mas nascem de dentro, a priori, da própria alma humana ( alma esta que,  antes de encarnar no ser humano, contemplou essas ideias essenciais ou Formas Puras, num outro mundo, transcendente, suprassensível). O homem toma consciência dessas ideias por meio de uma espécie reminiscência. E, aqui, Platão formula a famosa Teoria do Mundo das Ideias ou das formas puras, perfeitas e eternas, a fim de estabelecer a origem, os fundamentos do conhecimento humano, os fundamentos da Reminiscência.

            As ideias puras são, portanto, arquétipos, protótipos preexistentes numa realidade suprassensível, realidade essa que não se encontra nem no espaço nem no tempo – e, portanto, em lugar nenhum – mas que de algum modo Platão descobriu que ela existe...

            Só existe uma única Ideia “celeste” para cada espécie de coisas existentes na nossa realidade material, sensível (cf. La République, Livro X, tomo VII, segunda parte, in Platon, Oeuvres completes, publicação em 14 tomos, 27 volumes, edição bilíngue, francês e grego, Les Blles Lettres, Paris, d/d = diversas datas). Por exemplo, as nossas mesas materiais são cópias em série ( e cópias imperfeitas) da ÚNICA Ideia de mesa que reside estaticamente lá no mundo puro onde estão esses entes imóveis e transcendentes. Note-se bem: aqui está a ideia base de que tudo que não se move, que não muda e é eterno - é perfeito, bom e belo; e tudo que se move, se deteriora, se corrompe, é coisa ruim, degradante, feio, desprezível.

³ Hic et nunc – expressão latina que significa, literalmente, “aqui e agora”, isto é, concretamente, efetivamente, no momento atual, na realidade. Se fôssemos comparar com a linguagem moderna de hoje, da mídia, da informática, seria “ao vivo”, on line. A melhor tradução de “on line” para o português foi feita por um matuto de Pentecoste-Ceará: “on line” significa “pei, bufo!” [tiro e queda].

            As Ideias suprassensíveis são, portanto, as essências em sua pureza mais abstrata e mais intelectual possíveis, embora estejam numa outra dimensão, numa espécie de limbo, numa realidade transcendente e invisível que Platão chama “substância” (ousía): “a substância sem cor e sem forma, impalpável” e que “só pode ser contemplado pela inteligência que é o piloto da alma” e que serve para construir a verdadeira ciência[4].

            Isto se explica porque a nossa alma, antes de encarnar no corpo, habitou aquele mundo maravilhoso e ideal, no mundo suprassensível. De lá, a alma “desce” para o nosso mundo físico, e se encarna no corpo humano, onde “esquece” todas as lembranças das Ideias puras, devido a uma espécie de amnésia natural, em face da imperfeição do nosso corpo material. A dialética de Platão se transforma numa procura desse conhecimento perdido, numa ânsia de fazer a alma relembrar o que viu (e esqueceu) quando passeava através do mundo das Ideias. O conhecer, pois, para Platão, é um reconhecer. Ou seja, é uma reminiscência (cf. Platão, Ménon, 86 b, p. 259: anamimneskesthai, in Oeuvres Complètes, tomo III, 2ª. parte, op. cit., Paris, 1984). Quer dizer, o conhecimento é uma relembrança da alma (razão por que Platão deduz que nossa alma é imortal).

            Conhecer é rememorar, chamar de volta ao espírito uma lembrança, uma ideia esquecida. Evidentemente que isto é um pouco poético e que não é recomendável entender Platão ao pé da letra, tal como ele escreve em seus diálogos. Mas seja qual for a interpretação que se possa dar à Teoria das Ideias do nosso ateniense, o que ele quer dizer é que os nossos conceitos sobre os entes são inatos, não derivam da sensibilidade e que existe um verdadeiro abismo entre o mundo sensível e o mundo inteligível.

            Locke prontamente rejeita essa tradição que vem de Platão e nega a existência de qualquer tipo de ideia ou princípio inato. Que noções são essas que as crianças não possuem, grande parte da Humanidade dita civilizada desconhece e os selvagens das florestas nunca ouviram falar delas? Ora, a mente humana, ao nascer, é uma “folha em branco”, um papel em branco ( white paper), é uma tabula rasa[5] (tábua rasa, limpa) em que nada está escrito, uma tábua limpa, desprovida de caracteres, totalmente vazia (cf. Locke, Ensaio... I, cap. I, p. 159, op. cit.). Portanto, nada existe no intelecto que primeiro não tenha passado pelos sentidos ( Nihil est in intelecto quod non prius fuerit in sensu).

4 Cf. edição francesa citada, “Phèdre”, tomo IV, terceira parte, 247, p. 37, Paris, 1985. Esta edição francesa da “société d’éditions Les Belles Lettres traduz “ousía” (pronuncia-se “ussía”) por “essência”: L’essence qui n’a point de couleur ni de forme, et qu’on ne saurait toucher, l’essence qui est réellement, que seul est capable de voir le pilote de l’âme – l’intelligence, celle enfin qui est l’objet de la véritable Science, ocupe ce lieu-là. Na página ao lado, desta obra, está o texto original, em grego.
Tabula rasa – expressão latina que significa “tábua em que nada está escrito”. Na Roma Antiga, os magistrados escreviam seus votos, por exemplo, sim ou não, em tábua de cera, com uma espécie de prego ou cinzel. Significa que, no princípio da sessão, as tábuas estavam limpas, nada havia escrito nelas; só depois do julgamento é que eles escreviam sua concordância ou discordância. Esta é uma versão da origem da expressão “tábula rasa”.

            Como então essa mente vazia é preenchida? A mente é preenchida através dos sentidos. Estes captam objetos particulares[6] (daí por que - Conforme Locke – só existem ideias particulares), que são depositadas pela mente na memória até que, seguindo sua marcha rumo à generalização, chegam aos nomes ou termos gerais. Um termo geral, no fundo, é particular pois não passa de uma coleção de termos particulares, sendo, portanto, mera ficção da mente. Esta doutrina chama-se nominalismo (cf. Ensaio... IV, Cap. VII, p. 300, passim).

            O conhecimento, portanto, como já se disse, não é inato, mas adquirido. E adquirido através da experiência. Somente a capacidade de conhecer é inata: “Penso que ninguém jamais negou que a mente seria capaz de conhecer várias verdades. Afirmo que a capacidade é inata, mas o conhecimento é adquirido” (op. cit., I, Cap. I, p. 146). Se não há ideias inatas, tampouco haverá princípios inatos, já que estes são formados a partir daquelas. Todo material que preenche nossa mente vem de fora, a posteriori, pelos sentidos e somente a faculdade de conhecer é inata. Neste ponto, Locke foi até bastante moderado em seu empirismo. Condillac, um discípulo seu, por exemplo, chega a dizer (Resumo selecionado do Tratados das Sensações, p. 45, in “Os Pensadores”, São Paulo, Abril Cultural, 1979) que “ todos os nossos conhecimentos e todas as nossas faculdades vêm dos sentidos, ou para falar mais exatamente, das sensações: porque, na verdade, os sentidos não são senão causa ocasional. Eles não sentem, só a alma sente ocasionada pelos órgãos; e é das sensações que a modificam que ela tira todos os seus conhecimentos e todas as suas faculdades”. Quer dizer, segundo Condillac[7], até nossas faculdades cognoscitivas são derivadas dos sentidos...

            Mas voltemos a Locke. Conforme nosso filósofo, a própria substância, que seria o substrato que permaneceria como fundamento externos das ideias – as quais seriam apenas representações dela – dessa mesma substância que não pode ser conhecida,   sua ideia (de substância) não seria inata, como desejam os cartesianos[8]  em geral. Diz Locke:

“Confesso que há outra ideia que seria de uso geral entre os homens (...). Trata-se da ideia de substância, que não obtemos nem podemos obter pela sensação ou reflexão. Se a natureza cuidou de nos prover com algumas ideias, devemos esperar que sejam tais que possamos descobrir mediante nossas próprias faculdade; observamos, ao contrário, que, através dos meios pelos quais as ideias são trazidas para as nossas mentes, não temos de modo algum esta ideia clara; portanto, nada significa a palavra substância, a não ser uma proposição [?] incerta disto que não sabemos o que é, de algo acerca do qual não temos nenhuma ideia positiva particular e distinta, que julgamos ser o substratum, ou suporte, destas ideias que conhecemos” (Ensaio... I, cap. III, 10, p. 155).

 6 Locke era um nominalista, como todo bom empirista. Uma ideia geral é apenas um nome ou sinal para uma coleção de ideias mais gerais, porém particulares também. Para ele, ” as ideias gerais são ficções” (cf. Ensaio... op. cit., Liv. IV, Cap. VII, 9, p. 300).
7 Condillac diz, sobre a substância [ ver nota 6, p. 77 do manuscrito] etc.
8 Cartesianos = discípulos de Descartes. O nome de Descartes em francês é  René “Des Cartes” (“Os Cartes”, “dos Cartes”, quer dizer, Renato, da família dos Cartes). Os editores de suas obras, no decorrer dos tempos, provavelmente emendaram o artigo (contraído com a preposição “de”)  “des” (dos, das, duns, dumas...) com o substantivo “Cartes”. (Em francês, carte significa carta, mapa, cardápio etc.). O pensador cearense [Francisco ] Alcântara Nogueira, de quem fui aluno e, depois, colega de magistério na Universidade Estadual do Ceará, possuía em sua biblioteca particular, uma rara e preciosa obra de Spinoza, onde o nome de Descartes estava escrito de modo separado, em sua obra em latim intitulada “RENATI DES CARTES PRINCIPIORUM PHILOSOPHIAE, Pars I, & II, per BENEDICTUM de SPINOZA, original de 1663. Eu tive a satisfação de manusear essa obra, encapada, original, e que estava em bom estado de conservação. Alcântara Nogueira  a adquiriu, arrematando-a num leilão, no Rio de Janeiro.

Em outras palavras: Locke não aceita as ideias inatas e como a ideia de substância não pode ser derivada das sensações (pois presumidamente é o sustentáculo delas) acaba por conceber a noção de substância como incognoscível. Termina por explicar as coisas através do inexplicável...

            As ideias derivam das sensações ou reflexões (cf. op. cit., cap. I, 2, p. 159, passim): “Afirmo que estas duas, a saber, as coisas materiais externas, como objeto da sensação, e as operações de nossas mentes, como objeto da reflexão, são, a meu ver, os únicos dados originais dos quais as ideias derivam” (idem, II, cap. I, 4, p. 160). Isto é, a sensação corresponde ao sentido externo, o que se percebe como vindo “de fora”, e a reflexão se refere ao sentido interno, refere-se à elaboração de ideias pela própria mente, a partir das sensações adquiridas; existem ideias que nascem diretamente das sensações e ideias que são elaboradas pela mente, combinando sensações diversas. Este é o poder máximo que a mente pode ter na produção do conhecimento.

2    2  - IDEIAS SIMPLES E IDEIAS COMPLEXAS

As ideias podem ser simples (passivas apreensões) ou complexas (cf. op. cit., II, cap. XI, p. 180). As ideias complexas são formadas pela atividade da mente a partir das ideias simples. As ideias simples – como Leibniz dirá mais tarde – são aquelas que não são divididas por ocasião da percepção (cf. Novos ensaios..., II, cap. II, p. 70, in “Os Pensadores”, São Paulo, Abril Cultural, 1980). Por exemplo, uma cor não é dividida pela percepção, pois apenas um sentido, o sentido da visão, é suficiente para perceber as cores. Por outro lado, a percepção de um homem cantando requer, no mínimo, dois sentidos: a visão e a audição. E assim com os demais sentidos: a noção de uma “coisa” requer (para uma mente de faculdade e sentidos normais) sua sensação de cor, de som, de gosto, de sua olfação e de sua sensação tátil.

            Locke classifica as ideias simples em três tipos: 1) as ideias simples dos sentidos (sensações), como calor[9], frio, duro, mole, azedo, as ideias de cores, sons etc., ou seja, as ideias que nascem das sensações dos cinco sentidos humanos - visão, audição, olfato, paladar e tato - de modo direto ou imediato e que correspondem realmente a “algo externo”, a alguma “coisa” externa que (provavelmente) lhes é correspondente, pelo menos no ato da percepção (cf. Locke, Ensaio... Liv. II, pp. 287-288); 2) as ideias simples de reflexão, como memória, atenção, vontade etc., ou seja, nossas próprias faculdades mentais; 3) e as ideias simples de sensação e reflexão ao mesmo tempo, como as ideias de existência, duração e número (cf. op. cit., Liv. II, Caps. II a VII).

9 No esboço inicial do Ensaio... “Draft A do ensaio sobre o entendimento humano”, § 1, p. 7, Locke afirma: “...Imagino que todo conhecimento esteja fundado no sentido e derive, em última instância, dele ou de algo análogo, que pode ser chamado sensação, produzido pelos sentidos em contato com objetos particulares que nos fornecem ideias simples ou imagens das coisas. Assim, adquirimos ideias como as de calor e luz, de duro e mole, as quais consistem apenas em reviver, uma vez mais em nossa mente, as

            Por outro lado, as ideias complexas não tem valor objetivo, não existem arquétipos externos que correspondam a elas, salvo a ideia de substância, que é a única ideia complexa objetiva, sendo, no entanto, incognoscível. Tais ideias complexas são produzidas, como já se disse, pela própria atividade do sujeito, a partir de combinações (certamente, pela imaginação ou com seu auxílio) das ideias simples (cf. op. cit., Liv. II, Caps. XI-XII), as quais “são os únicos materiais de todo o nosso conhecimento” (op. cit., Liv. II, cap. VII, p. 174) e podem ser divididas em duas espécies: 1) aquelas em que as ideias simples, ao serem combinadas, dão a ideia de uma coisa: ouro, cavalo, homem etc.; 2) e aquelas ideias que significam mais de uma coisa: pai e filho, causa e efeito, maior e menor, enfim, todas as ideias de relação em geral.
            A primeira espécie ou grupo de ideias, por sua vez, ainda se subdivide em: (A) ideias de modo que se referem a coisas que não podem subsistir por si mesmas (triângulo, número[10]...), (B) ideias de substâncias que se referem a coisas que podem subsistir por si mesmas (homem, cavalo etc.).
            As ideias de modo, por sua vez, se subdividem em: (a) modos simples em que as unidades de uma mesma espécie se repetem, se reproduzem e se unem consigo mesmas para formarem um todo homogêneo (exemplos: o número, formado de unidades da mesma espécie; espaço, composto de partes homogêneas etc.). e (b) modos compostos de ideias distintas, como a ideia de beleza, roubo etc. (cf. op. cit., Liv. II, caps. XI e XII; cf. Émile Bréhier, História da Filosofia, vol. II, fascículo 1, pp. 249-251, São Paulo, Editora Mestre Jou, 1979).

            Com relação às ideias de substâncias, elas são subdivididas por Locke em substância que indica a noção de coisa singular (homem, boi, etc.) e substância que fornece o significado de coletivo, ou seja, de várias substâncias (exército de homens, rebanho de carneiros, manada etc.).

imaginações que esses objetos causaram em nós quando afetaram os nossos sentidos por movimento ou de outra maneira que não importa aqui considerar. É o que acontece quando concebemos o calor ou luz, amarelo ou azul, doce ou amargo etc. Penso, portanto, que as coisas que chamamos de qualidades sensíveis são as ideias simples que temos e os primeiros objetos de nosso entendimento” (São Paulo: Folha de São Paulo, 2015).
10 Isto é, um triângulo não é uma coisa, mas uma forma pela qual se apresenta uma coisa: coisa de forma triangular. O mesmo ocorre com o número, que não é uma coisa concreta, mas uma forma de generalidade (uma coleção de coisas particulares, pois Locke era nominalista, não admite ideias gerais, abstratas). Por exemplo: um é o conjunto de todas as unidades; dois é o conjunto de todas as díades ( de todos os pares); três, o conjunto de todas as tríades etc.

            A substância, como já frisamos, segundo Locke, é incognoscível. Só a conhecemos por algumas de suas manifestações, de suas qualidades, as quais são divididas[11] em qualidades primárias e qualidades secundárias. Sobre as qualidades, Régis Jolivet diz:

“Desde LOCKE, distinguem-se as qualidades primárias e as qualidades secundárias, correspondendo respectivamente ao que os escolásticos chamavam sensíveis comuns e sensíveis próprios. As qualidades primárias são as que se referem à quantidade, a saber, a extensão, a figura ou a forma, o movimento e a resistência. – As qualidades secundárias são as que são objeto de um sentido próprio: cor e luz (vista), som (audição), sabor (paladar), odor (olfato), qualidades táteis e calor (tato) etc.” (Curso de Filosofia, Livro Segundo – Filosofia Especulativa, cap. I. art. II, p. 109, Rio de Janeiro, Agir, 20ª ed., 1998. Traduzido do francês por Eduardo Prado de Mendonça)[12].

            A substância é uma “certa coleção de ideias simples unidas num objeto e neste coexistindo” (Ensaio..., Liv. IV, cap. III, p. 278). Não sabemos se existem ou não outras qualidades além dessas já mencionadas, já que a mente humana só conhece aqueles atributos e mais nada.
            Locke assevera que as qualidades secundárias (que são simples) são subjetivas[13] e as qualidades primárias são objetivas (e, segundo ele, simples, também), existindo realmente “fora de nós”, no mundo exterior. É o que ele afirma:

“Todas as ideias simples, que se encontram deste modo unidas num substratum geral e formam  as ideias complexas de várias ideias de substância, não são diversas das recebidas através da sensação ou da reflexão. Deste modo, mesmo com as que nos sentimos intimamente familiarizados e se encontram mais próximas de nossas mais amplas concepções, não podemos apreender além dessas ideias simples “ (Ensaio... Liv. II, cap. XXIII, 37, p. 208)[14].

¹¹ Cf. Locke, Ensaio... liv. IV, cap. III, 10, 11, 12, p. 278; Liv. IV, cap. VI, 10, p. 296. Existe uma grande confusão a respeito das qualidades secundárias e primárias, por falta de firmeza de Locke em ser coerente. Schopenhauer, por exemplo, diz que Locke “tinha demonstrado que as propriedades secundárias das coisas, tais como som, odor, dureza, moleza, lisura e similares, já que são fundadas sobre as afecções dos sentidos, não pertenceriam aos corpos objetivos, à coisa em si mesma, à qual, ao contrário, atribuía tão só as qualidades primárias, isto é, as que apenas pressupõem o espaço e a impenetrabilidade, assim: extensão, forma, solidez, número, mobilidade” [Crítica da filosofia crítica de Kant, in  “Os Pensadores”, São Paulo, Abril Cultural, volume sobre “Schopenhauer”, 1980 etc. (Este escrito  – Kritik der kantischen Philosophie -  encontra-se no livro de Schopenhauer - Die Welt als Wille und Vorstellung / “O mundo como vontade e representação” – pp. 455-580, Köln, Atlas Verlag, s/d, existindo um exemplar deste livro, no original alemão, na Casa de Cultura Germânica da Universidade Federal do Ceará, onde o consultei, quando fui aluno de língua  alemã daquela Casa)]. Tanto Schopenhauer, como os autores tradicionais interpretam corretamente Locke quando dizem que, nele, as qualidades secundárias são subjetivas e as primárias objetivas. O que achamos incoerente é que, sendo as qualidades secundárias correspondentes a algo real sejam subjetivas, e as primárias, formadas pelas secundárias, sejam objetivas. Para ser bem popular, é como se uma parede construída com tijolos de barro não fosse de barro!.
12 E Régis Jolivet prossegue, no mesmo Livro: “Esta divisão é feita de um ponto de vista acidental. Além disso, o movimento não é, propriamente, uma qualidade, mas recai, por redução, na categoria de lugar. Da mesma forma, a extensão recai na [categoria de] quantidade” (op. cit., p. 109).
13 As qualidades secundárias, para Locke, só são objetivas no momento da percepção, no momento em que o sujeito está realizando a percepção, hic et nunc.

            Alguns autores (Schopenhauer, por exemplo) interpretam corretamente Locke dizendo que ele considera as qualidades secundárias (ideias simples, sensíveis, como cor, dureza etc.) como subjetivas, o que é verdade, mas não deveria ser é o caso. Baseiam-se no fato de Locke considerar que as ideias sensíveis só correspondem aos objetos (isto é, só são objetivas) no momento da percepção. Ora, como Locke “acredita” (crê, tem “fé”, digamos, fé ontológica) na existência dos corpos materiais (substâncias) – e não apela para Deus (como mais tarde o faria Berkeley, com fé religiosa) para garantir a existência dos corpos – então podemos deduzir ou inferir que nossas ideias sensíveis sempre correspondem a objetos, já que estes não desaparecem (salvo se forem modificados na realidade ou Deus os aniquilar) quando deixam de ser percebidos. Quer dizer, as qualidades secundárias é que deveriam ser objetivas e não as qualidades primárias, formadas a partir daquelas secundárias, (que seriam subjetivas, segundo Locke). Quer dizer, como podem qualidades objetivas serem formadas por qualidades subjetivas?

            Mas a interpretação tradicional que se dá, bem próxima de Kant, é esta: as ideias simples sensíveis (objetivas na atualidade, quando ocorre a percepção, conforme Lokce) são meros tijolos com que construímos o edifício das ideias complexas (subjetivas, para alguns pensadores). Quer dizer, o material sensível são o conteúdo de todo o conhecimento humano.  Essas ideias sensíveis, enquanto ideias simples, são fragmentos reais, porém desagregados. Somente quando organizadas pela mente, esses desagregados ou fragmentos da realidade formam as ideias complexas (fictícias, para alguns autores, mas Locke, como se viu, defende a objetividade da substância); esses dados sensíveis se estruturam, na e pela mente, construindo uma noção de objeto de modo diferente daquilo que existiria verdadeiramente na realidade objetiva, conforme Kant. E tal realidade, segundo Kant, seria realmente incognoscível. Em outras palavras, os estados objetivos da realidade não teriam uma correspondência biunívoca, exata (segundo Kant e seus partidários) com os nossos estados mentais, subjetivos.

14 Locke, em seu  esboço (Draft A, op., pp. 7-8) do “Ensaio..” .explica: “Os sentidos, pelo frequente contanto com determinados objetos, encontram certo número de ideias simples constantemente juntas, e o entendimento presume que elas pertenceriam a uma mesma coisa; as palavras, que seguem nossas apreensões, são evocadas de tal modo reunidas num simples objeto [subject], com um mesmo nome, que por inadvertência somos levados a mencioná-las como se fossem um ideia simples e a considerar como tal o que na verdade é um complexo de muitas ideias simples reunidas. É o que acontece com todas as ideias de substâncias, como homem, cavalo, sol, água, ferro. Os que compreendem a / língua, tão logo ouçam essas palavras, no mesmo instante moldam na mente a imaginação de muitas ideias simples que são objeto imediato do seu sentido. Como, porém, é impossível apreender como elas poderiam subsistir por si mesmas, supõe-se que repousariam e encontrar-se-iam reunidas num objeto [subject] comum, adequado a elas, objeto [subject] esse que, por ser suporte dessas qualidades, chama-se substância ou matéria, embora não se tenha outra ideia dessa matéria além das ideias de qualidades supostamente inerentes a ela” (a palavra “subject” entre colchete é do tradutor brasileiro, Pedro Paulo Pimenta, que esclarece in nota, que Locke usa como sinônimas as palavras object e subject). Em outras palavras,  a ideia de substância é tão frágil que deriva apenas do hábito de associar sensações em torno de um substrato que aparentemente serve como suporte das coisas materiais, sensíveis.

            Mas – dizemos nós - é evidente que só é subjetiva a lembrança de objetos do passado, posto que tais objetos correspondentes a essa lembrança não estão mais na nossa presença. Entretanto, sua validade objetiva (das coisas materiais) deve permanecer, posto que Locke aceita a existência da substância, embora reconheça que não se possa provar sua “verdadeira” natureza.

            Mas aqui, insistimos: se as qualidades secundárias são objetivas (pelo menos, na atualidade), por que não deveriam ser objetivas também as qualidades primárias? Locke considera, como se disse - as qualidades primárias como sendo objetivas[15], o que nos parece um contrassenso, pois se elas são formadas pelas qualidades secundárias, que são subjetivas (objetivas apenas no momento da percepção) , segundo ele, então por que não seriam também subjetivas as primárias? (Locke, Ensaio ... Liv. IV, cap. IV, p. 287, passim; Leibniz, Novos ensaios... Liv. IV, cap, VI, p. 78, op. cit.). Para ser mais claro: se as qualidades secundárias forem subjetivas, as primárias, formadas por elas, deveriam ser também subjetivas. Mas, por outro lado, se as qualidades secundárias forem objetivas, então objetivas deveriam ser também as qualidades primárias. Seria o coerente, o lógico.

             Davi Hume, mais tarde, iria dizer que que tanto as qualidades secundárias como as qualidades primárias (estas formadas por aquelas) são subjetivas. E ainda mais: afirma, contra Locke, que as qualidades primárias não são ideias simples mais complexas, já que são compostas pelas qualidades secundárias. Ademais, Locke defende que toda ideia complexa é subjetiva, mas a substância é a única ideia complexa que é objetiva. Por que esse privilégio para a substância? Coerentemente, Hume iria mais tarde negar a objetividade também da substância, que não passa de um feixe de sensações. Mas de Hume, trataremos de sua filosofia em outro trabalho.

            Locke teria sido mais coerente se tivesse caído no idealismo solipsista, posto que admite que só conhecemos imediatamente apenas nossas ideias e depois, de modo mediato ( não confundir mediato com imediato) através dessas ideias, inferimos a existência dos corpos (cf. Ensaio... Liv. IV, Conhecimento e opinião).

2    3  – CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A TEORIA DO CONHECIMENTO DE LOCKE

Ora, se só conhecemos imediatamente nossas ideias, então a conclusão mais lógica seria admitir que somente nossas ideias existem, com certeza. E se somente as ideias simples dos sentidos possuem valor objetivo (e apenas quando são percebidas), então a ideia de substância torna-se problemática, posto que tal ideia é composta pelas ideias simples e todas as ideias compostas são puras ficções mentais. Logo, a substância deveria ser também uma pura ficção do espírito.

15 Cf. Michele Federico Sciacca, História da Filosofia, vol. III, p. 100 (São Paulo, Editora Mestre Jou, 1968), que citaremos mais adiante, em que este confirma que as qualidades primárias em Locke são subjetivas. Cf. Schopenhauer, Crítica da Filosofia Kantiana, p. 87,( in “Os Pensadores”, São Paulo, 1980).

            Quer dizer, Locke, queira ou não, deságua no idealismo subjetivista, ao asseverar que só conhecemos de modo imediato apenas nossas próprias ideias: “desde que a mente em todos os seus pensamentos e raciocínios não tem outros objetos imediatos exceto suas próprias ideias, torna-se evidente que nosso conhecimento se relaciona apenas a elas” (op. cit., Liv. IV, cap. I, 1, p. 267). “O conhecimento, como foi dito, baseando-se na percepção do acordo ou desacordo de quaisquer de nossas ideias, resulta disso que, primeiro, não podemos ter conhecimento além do que temos ideias” (op. cit., idem, ibidem, p. 276). Isso nos lembra bem o cartesianismo e uma antecipação de Hume e Berkeley.

Se o sujeito humano conhece apenas suas ideias, imediatamente, e, por intermédio delas, conclui a existência dos “objetos externos” – então estamos diante de uma contradição ou pelo menos de um paradoxo (como dizem os críticos de Locke) para uma filosofia que tem como ponto de partida o mundo externo, a experiência sensível. Berkeley foi muito mais consequente ao negar a existência da substância material ou mundo externo: se só conhecemos nossas ideias, então somente elas existem. Para Berkeley, o mundo seria apenas uma coleção de ideias sensíveis reguladas e colocadas na nossa mente por Deus. Como dissemos mais acima, se Locke tivesse sido mais coerente, neste ponto, deveria ter adotado o idealismo subjetivista ou, mais precisamente, sua forma mais extremada: o solipsismo. Apenas a minha mente existe no mundo, pois o conhecimento da existência de outras mentes seria inatingível ou problemático.

Como Locke assegura que só conhecemos nossas próprias ideias, então a verdade não é mais a conformidade do sujeito com o objeto, como diziam Aristóteles, Santo Tomás de Aquino et all. Cai no cartesianismo, colocando a verdade no acordo ou desacordo entre as ideias claras e distintas. É o que declara Locke com suas próprias palavras: “o conhecimento nada mais é que a percepção da conexão e acordo ou desacordo e rejeição de qualquer de nossas ideias” (op. cit., Liv. IV, cap. III, 2, p 267; cf. Liv. IV, cap. III, p. 276).

Esse acordo ou desacordo se processa através de quatro princípios que são o fundamento de toda racionalidade humana: 1) identidade ou diversidade; 2) relação; 3) coexistência ou conexão necessária; 4) existência real. Exemplos: “azul não é amarelo é identidade; dois triângulos sobre bases iguais entre duas paralelas são iguais é relação; ferro é suscetível de impressões magnéticas é coexistência; Deus é é existência real (op. cit., idem, cap. I, 7, p. 268). Essas, pois, são as “categorias” lockeana que regulam o nosso entendimento e nos dizem quais são e quais não são os objetos adequados para serem tratados pela nossa mente no ato de conhecer. Locke foi bastante econômico nesta área, pois Kant, muito mais generoso, criou doze categorias ao invés  de quatro...

Quanto aos graus do conhecimento, Locke coloca, em primeiro lugar, o conhecimento intuitivo, que é a percepção imediata (atual) do acordo ou desacordo entre as ideias. Em segundo lugar, o conhecimento demonstrativo (mediato) da Matemática, da Moral e de Deus, que requer uma ideia intermediária para demonstrar duas outras, sendo que o conhecimento intuitivo atual é que acompanha e garante a validade de cada passo do processo de demonstração (cf. Ensaio...  Liv. IV, cap. III, 18, pp. 280-281)). E, em terceiro lugar, o conhecimento sensível dos objetos particulares, presentes nos sentidos (cf. op. cit., Liv. IV, cap. III, pp. 281-282). Fora disso só existem fé, opinião e crença (cf. op. cit., Liv. II, cap. XXIV, 4, 5, pp. 207-208, passim). Exemplos: pelo conhecimento intuitivo temos a percepção de nossa existência (apercepção); pelo conhecimento demonstrativo conhecemos Deus e, pelo conhecimento sensível temos ciência das ideias particulares dos sentidos.

Em conclusão, fazendo um balanço da teoria do conhecimento de Locke, usamos as palavras de Michele Federico Sciacca (História da Filosofia, III, p. 100, São Paulo, Editora Mestre Jou, 1968): “a análise crítica do intelecto levou Locke a estes resultados: a) nós não conhecemos senão ideias ou representações que nos são dadas pela experiência; b) as ideias conjuntas [complexas] não tem valor objetivo [salvo a substância que, no entanto, é incognoscível]; c) a correspondência entre a ideia e o objeto é possível somente nas ideias simples e está limitada à atualidade da sensação; d) são objetivas apenas as qualidades primárias; e) as leis das ciências naturais e os conceitos universais em geral são nomes [nominalismo] que tem somente um valor prático; f) a substância se supõe que exista, mas é incognoscível”.

3        - A FILOSOFIA POLÍTICA – “O SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO”

John Locke é considerado um dos fundadores do Liberalismo[16]. Em sua obra “Ensaio sobre o entendimento humano”, refuta a teoria das ideias a priori ou inatas, declarando que “nada existe no intelecto que primeiro não tenha passado pelos sentidos”. Este é o princípio básico da sua teoria do conhecimento.

            Coerente com sua tese acima acerca da natureza do conhecimento, afirma que em política é a mesma coisa: não existem princípios a priori ou inatos. Em consequência disso, nega a validade da “Teoria do Direito Divino dos Reis”. Os reis de sua época afirmavam que todo poder vem de Deus e por isso só tinham que dar satisfação de seus atos ao próprio Deus. E como Deus nunca veio cobrar a prestação de contas deles aqui na terra, eles nunca deram satisfação de seus atos a ninguém. Este sistema  ou forma de governo se chamou Absolutismo, onde o rei mandava e desmandava, absolutamente.

16 Sobre o Liberalismo, ver Grande Enciclopédia Dela Larousse, vol. 9, p. 4002, Rio de Janeiro, Editora Delta, 1974, de cujo verbete retirei algum conteúdo.

            O absolutismo ia de encontro (contra) aos interesses da Burguesia ascendente, que desejava mais liberdade política e econômica. Daí por que adotou uma conjunto de ideias em defesa de seus interesses, que recebeu o nome genérico de Liberalismo.

A “Grande Enciclopédia Delata Larousse” (vol. 9, p. 4002, Rio de Janeiro, Editora Delata, 1974) assim se pronuncia sobre o Liberalismo: “Doutrina que preconiza a liberdade individual no campo político e econômico” e surgiu na Inglaterra, máxime após a Revolução de 1688. Isto significa que o Liberalismo evoluiu para dois tipos: o liberalismo econômico e o liberalismo político. O liberalismo econômico defende a livre concorrência entre os capitalistas e a não intervenção do Estado nas relações econômicas. A consequência disso, mais tarde, foi o estabelecimento do “direito do mais forte”, acarretando a concentração das riquezas, através de monopólios e oligopólios, nas mãos de poucos capitalistas que, assim, passaram a controlar o mundo. O liberalismo político defende principalmente os direitos básicos dos indivíduos, como a liberdade, a igualdade perante a lei, a propriedade privada e a representatividade política (direito ao voto, para eleger seus representantes). Montesquieu, um teórico liberal, para evitar um Estado muito forte, defendeu a divisão do Poder estatal em três: poder executivo, poder legislativo e poder judiciário, sistema este que foi adotado pela primeira vez pelos Estados Unidos da América, após sua independência. Na prática, a liberdade depende de quem tem riqueza e o sistema representativo passou a defender especialmente o direito de a alta classe burguesa  ficar cada vez mais rica, aumentando a concentração de renda e as desigualdades sociais.
           
Locke, no “Primeiro Tratado sobre o Governo”, repudia logo essa  tese do direito divino dos reis. Segundo ele, os defensores desse pretenso direito não conseguem provar que Deus tenha dada diretamente o poder aos reis e, indiretamente, através de Adão e Eva e seus descendentes, aos seus sucessores. Também não é possível identificar seus herdeiros “reais” (“verdadeiros” e/ou “monárquicos”). A esse respeito, dizem Giovanni Reale & Dario Antiseri:

            “A monarquia não se fundamenta no direito divino. Diz Locke que, embora em voga nos tempos modernos, essa tese não se pode encontrar nas Escrituras nem nos antigos Padres.

            A sociedade [civil] e o Estado nascem do direito natural, que coincide com a razão, a qual diz que, sendo todos os homens iguais e independentes, ‘ninguém deve prejudicar os outros na vida, na saúde, na liberdade e nas posses’. São, portanto, ‘direitos naturais’ o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à propriedade e o direito à defesa desses direitos” (História da Filosofia, vol. 2, p. 523, São Paulo, PAULUS, 8ª edição, 2007).

            Por isso, Locke adota a ideia – na época, revolucionária – de que todo poder vem diretamente do povo e em seu nome deve ser exercido.

            Sobre a origem do poder político, Locke aceita o chamado “estado de natureza” e a “teoria do contrato social”. Mas ele concebe o estado de natureza completamente diferente do de Hobbes, que o definia como um estado violento, de guerra de todos contra todos. O Estado (sociedade política) era constituído, segundo Hobbes, após um “contrato social”, tendo por finalidade acabar com a baderna, a anarquia ( = ausência de Estado, falta de governo), acabar com a guerra de todos contra todos. Por isso, para Hobbes, este Estado deveria ser forte, absolutista e estar acima dos indivíduos, o que implicaria o estabelecimento de um totalitarismo, de uma ditadura.

            Locke, pelo contrário, afirmava que o estado de natureza era um estado de paz, de igualdade e de racionalidade. O contrato social entre os homens visa apenas preservar esse estado, esses direitos, já que o estado de natureza, embora justo, era frágil e poderia ser quebrado e assim levar à injustiça e ao aniquilamento da propriedade privada. Por isso é preciso criar uma instituição com poder suficiente para resguardar os direitos dos indivíduos e grupos.

            A instância de apelação e o poder de castigar e resguardar direitos devem ser transferidos para esta Instituição, o Estado, fruto desse Contrato Social. Este, uma vez constituído, passa a legislar e executar as leis. Locke faz diferença entre estado de natureza e estado de guerra. Este último ocorre quando um súdito descumpre a lei, abusa de seus direitos ou quando o governante começa a governar como um tirano, um desalmado, dirigindo a máquina do Estado contra os interesses do povo, como por exemplo, cobrando impostos sem o consentimento da sociedade ou confiscando as propriedades dos particulares. Ou seja, quando mete a mão no bolso do povo através de leis arbitrárias, casuísticas ou qualquer outro subterfúgio ilegítimo. Isto sim, é que é um estado de guerra - que poderá ocorrer tanto no estado de natureza, como dentro da própria sociedade civil, quando ela retroage ao nível de um estado primitivo, anárquico, arbitrário. “Evitar esse estado de guerra (...) é a grande razão pela qual os homens se unem em sociedade e abandonam o estado de natureza”  (John Locke – Dois Tratados sobre o Governo, cap. III, 21, p. 400, trad. Julio Fischer, São Paulo, Martins Fontes, 1998) (cf. Os Pensadores, p. 42).

            Para Locke, a principal causa que levou o homem a fazer o pacto político foi a defesa da propriedade, a qual é fundamentada por ele no trabalho. Sendo assim, pela lógica, todos os trabalhadores deveriam ter direito à propriedade, o que efetivamente não ocorre. Certamente, a explicação é que alguns homens são mais laboriosos do que outros, possuindo propriedades desiguais, além dos preguiçosos que, por sua inércia,  não  possuem propriedade alguma.  Mas Locke acha que, por mais pobre que seja um indivíduo, ele tem uma propriedade, que é sua pessoa e seu corpo: o indivíduo é propriedade de si mesmo. Daí o poder de dispor de si mesmo para “vender sua força de trabalho”, para usarmos uma posterior linguagem, marxista. Por isso, Locke assim define a propriedade em geral: “( Por propriedade deve-se entender aqui, como em outros lugares, a propriedade que os homens tem sobre suas pessoas e bens)” ( Dois Tratados sobre o Governo, São Paulo, Martins Fontes, Cap. XV, 173, p. 541). Como Locke admitia a escravidão, devemos incluir os escravos na classe de bens. Mas como Locke vivia numa época de economia essencialmente agrária, a propriedade, para ele, era principalmente a terra.

            A seguir, Locke discorre sobre o Pátrio Poder, com o objetivo de criticar o poder absoluto dos reis. Alega que o monarca não exerce o pátrio poder sobre a nação e se exercesse, este poder não deveria ser absoluto. Locke demonstra que o pai não tinha poder absoluto sobre a família, citando a própria Bíblia, onde ocorre a expressão os pais, o que mostra que a mãe tinha o mesmo direito sobre os filhos e bens do que o pai. A verdade é que existe o mesmo direito entre o homem e a mulher; apenas quando há um conflito extremo, prevalece a decisão final do homem. Mas tal direito patriarcal – para Locke – vale somente para questões de interesses e de propriedade em comum, pois a mulher deve ter a posse plena e livre daquilo que lhe pertence por contrato. O marido não tem o poder sobre a vida dela mais do que ela tem sobre a dele (cf. Cap. VII, 82, p. 455, op. cit.; Os Pensadores, p. 66).

            A finalidade da família não é somente a procriação, mas a perpetuação da Humanidade, o que exige não apenas o ato de procriar, como também o de educar, que é a preparação para a vida. Por isso os pais devem ter certa autoridade sobre os filhos, até sua maioridade, mas tal autoridade não é absoluta: os pais não tem o direito sobre a vida deles ( de tirar-lhes a vida) e o próprio casamento pode ser dissolvido, ficando os filhos sobre a autoridade de uma das partes ou sob a de um tutor.

            Dito isso, o que Locke pretende é refutar aqueles que desejam comparar o direito paterno com o direito de governar de modo absoluto dos reis, mostrando que a família não é uma sociedade política e, se fosse, o pacto não seria indissolúvel, nem o pai teria poder absoluto sobre a família. Assim também, o rei não deve ter o poder absoluto sobre a sociedade e o contrato social inicial pode ser desfeito e o governante deposto (cf. op. cit. Cap. VII, 86, p. 457, passim; Os Pens... p. 66).

            Locke combate a todo instante a monarquia absolutista e a considera uma situação pior do que o estado de natureza, pois na monarquia absoluta existe um só poder, um só arbítrio e o governante ainda pode usar o saber e a religião em prol de seus interesses e das classes dominantes.

            Uma vez estabelecido o poder governante, numa sociedade política, ele passa a ter a prerrogativa de legislar, de mediar conflitos e até de condenar à morte, no caso de crimes hediondos.

Em seguida, Locke conceitua quem está em sociedade civil:

“Desse modo, é fácil de distinguir quem está e quem não está em sociedade civil. Aqueles que estão unidos em um corpo único e tem uma lei estabelecida em comum e uma judicatura à qual apelar, com autoridade para decidir sobre as controvérsias entre eles e punir os infratores, estão em sociedade civil uns com os outros” (op. cit., Cap. VII, 88, p. 459; Os Pens..., p. 67).

 Logo na sequência (no Cap. VIII), Locke diz que na formação da sociedade política (Estado), isto é, após a passagem do estado de natureza para a sociedade civil (sociedade política), fica convencionado o direito da maioria estabelecer decisões (cf. parágrafo 95). E, depois, procura provar que o estado de natureza não é mera ficção, e cita as sociedades indígenas (onde o Estado não existe) da América – inclusive o Brasil – para mostrar que elas existiram e existem de fato.

O pacto político (o contrato social) gera os poderes legislativo e executivo. O poder legislativo é o mais importante – é o poder supremo -  e dele derivam os outros, seja o poder executivo, federativo, judiciário ou quaisquer outros que por ventura venham a existir. O poder legislativo é tão importante que o objetivo principal de se estabelecer a sociedade política (Estado) é constituí-lo, - desde que seja obedecida a lei fundamental, que é a preservação da sociedade com justiça, isto é, para o bem público:

“O grande objetivo de entrada do homem em sociedade consistindo na fruição da propriedade em paz e segurança, e sendo o grande instrumento e meio disto as leis estabelecidas nessa sociedade, a primeira lei positiva e fundamental de todas as comunidades consiste em estabelecer o poder legislativo; como a primeira lei natural fundamental que deve reger até mesmo o poder legislativo consiste na preservação da sociedade e, até o ponto em que seja compatível com o vem público, de qualquer pessoa que faça parte dela. Esse poder legislativo não é somente o poder supremo da sociedade, mas sagrado e inalterável nas mãos em que a comunidade uma vez o colocou; nem pode qualquer edito de quem quer que seja, concebido por qualquer maneira ou apoiado por qualquer poder que seja, ter a força e a obrigação da lei se não tiver a sanção legislativa, escolhido e nomeado pelo poder público; porque sem isto não teria o que é absolutamente necessário à sua natureza de lei: o consentimento da sociedade sobre a qual ninguém tem o poder de fazer leis senão por seu próprio consentimento e pela autoridade dela recebida” (Segundo Tratado sobre o Governo, cap. XI, 134, p. 86,  “Os Pensadores”, op. cit.)[17].

Apesar de o legislativo ser o poder maior, possui seus limites e seus encargos. As obrigações e encargos são do poder legislativo em qualquer comunidade e em quaisquer formas de governo. São:

“Em primeiro lugar, ele deve governar através de leis promulgadas e estabelecidas, que não poderão variar nos casos particulares, mas segundo uma mesma regra para os ricos e pobres, para o favorito na corte e o camponês no arado.

17 “ O poder legislativo, em seus limites extremos, restringe-se ao bem público da sociedade. É poder que não tem outro objetivo senão a preservação e, portanto, não poderá ter nunca o poder de destruir, escravizar ou propositalmente empobrecer os súditos. As obrigações da lei da natureza não cessam na sociedade mas somente em muitos casos se tornam mais rigorosas, e por leis humanas se lhe anexam penalidades conhecidas, destinadas a forçar-lhes a observância. Assim a lei da natureza fica de pé como lei eterna para todos os homens, tanto legisladores como quaisquer outros. As leis que elaboram para as ações de outros homens devem, não só para as suas próprias ações como para as de terceiros, estar de acordo com a lei da natureza...” (Segundo tratado... cap. XI, 135, p. 87, in Os pensadores, op. cit).

Em segundo lugar, tais leis não devem destinar-se a outro fim que não, em última análise, o bem do povo.

Em terceiro lugar, não se devem impor tributos sobre a propriedade do povo sem o seu consentimento, dado diretamente por ele ou através de seus deputados. E essa propriedade apenas se refere aos governantes em que o legislativo está sempre em função ou, em que o povo não reservou porção alguma do legislativo para deputados, a serem por eles escolhidos de tempos em tempos” (cf. op. cit., cap. XI, pp. 513-514; Os Pens... p. 90. Não houve citação ipse litteris).

Para Locke, o Poder legislativo tem a prerrogativa de funcionar continuamente; entretanto, pode ter período de recesso; mas o poder executivo deve ser permanente e ter certas prerrogativas, que são margens de liberdade para se tomar decisões durante o recesso (do legislativo). Daí por que os poderes legislativos e executivos devem ser separados.

E como ainda não existe um direito internacional, já que os demais Estados vivem em “estado de natureza” entre si, o legislativo cria também o Poder Federativo, que é a prerrogativa de aprovar guerras, paz, alianças e demais transações em relação aos outros Estados. Apesar de serem realmente dois poderes, Locke afirma que o poder executivo e o federativo “quase sempre estão unidos” (cf. Cap. XII, 146-147, pp. 91-92, in Os Pensadores). Por outro lado, o “poder judiciário” fica subordinado ao Poder Executivo, não sendo um poder independente, como hoje se doutrina e não só o poder judiciária, mas qualquer poder que exista ou venha a existir. O poder legislativo é supremo e a fonte de onde deriva qualquer outro poder político.

Quanto às formas de governos, Locke simpatiza mais com uma Monarquia Representativa, certamente inspirado em suas ideias liberais inglesas[18], mas a comunidade poderá adotar a forma de governo que achar conveniente (cf. cap. X, op. cit., 132, p. 500, Martins Fontes; cf.  edição Os Pensadores, op. cit., cap. , 137. p. 88)).

Locke defende o direito de deposição do governante, inclusive pela luta armada, a insurreição, quando este trai a finalidade de servir ao bem comum, para corromper o poder em proveito próprio ou de terceiros, pois acaba entrando em estado de guerra com a sociedade, contra a sociedade que o colocou no poder. 

O Capítulo XIX, intitulado “Da Dissolução do Governo” é uma das mais perfeitas defesa da democracia liberal e uma veemente condenação da tirania ou governo absolutista. Um governo pode ser dissolvido por uma invasão estrangeira, mas pode ser dissolvido também por causas internas. Alterar o legislativo, isto é, corrompê-lo ou o próprio legislativo deixar de trabalhar pelos interesses da sociedade, implicam em dissolução do pacto inicial, ficando a comunidade livre de obediência ao governante ou soberano, tendo o direito de refazer o pacto, colocando outra(s) pessoa(s) no governo ou até implantar outra forma de governo. Por isso, o povo que se levanta contra um governo injusto, ilegítimo, corrupto, não é rebelde. Rebelde é quem descumpre a Lei legitimamente promulgada, como os deputados ou governantes malfeitores, não o povo que se subleva por ter sido traído por quem usurpou seus direitos.

18 Michele Federico Sciacca ( História da Filosofia, vol. II, p. 102, São Paulo, Editora Mestre Jou, 3ª ed.,1968) diz que “Locke é o teórico da nova monarquia liberal inglesa”.

Mas um povo não se deve levantar apenas quando já estiver escravizado, pois aí já não terá poder para tal. Basta perceber as artimanhas e as patifarias dos governantes, para o povo ter o direito de rebelião, de depor o governante, pois querer que faça isto quando já estiver subjugado totalmente é querer que escravos hajam como homens livres. A desconfiança e a prudência são o preço da liberdade.
Finalmente, o governo ainda pode ser dissolvido quando o Poder Legislativo for interrompido ou o Poder Executivo se torna negligente ou acontece a renúncia ao cargo.
Locke, portanto, foi o pai do liberalismo político moderno e sua influência na Inglaterra, na Europa e nos Estados Unidos foi imensa. É pena que os liberais de hoje tenham esquecido suas lições, especialmente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimentos, como o Brasil.


4– CONCLUSÃO

A filosofia de Locke teve uma vasta influência no mundo Ocidental, tanto  na Teoria do Conhecimento, adepto que foi da tradição empirista inglesa, de Roger Bacon e Francis Bacon, como na política, tendo sido considerado o pai do liberalismo político moderno, ideologia das democracias surgidas na América do Norte, com a independência dos Estados Unidos, e na Europa, especialmente a partir da Revolução Francesa de 1789.
            Suas ideias liberais, na época, ao pregar o governo representativo, foi um progresso em relação ao Absolutismo, defendido pela ideologia do “Direito Divino dos Reis”. Mas hoje, o sistema representativo chegou a um beco sem saída, pois é uma ideologia que defende os interesses da classe burguesa, opressora e exploradora da classe trabalhadora, que constitui a esmagadora maioria da sociedade, que é a classe  que produz toda riqueza no mundo. É a classe que produz a riqueza e no entanto vive na pobreza.
Qualquer sociedade que se fundamente na exploração do homem pelo homem é injusta. E cruel e perniciosa é a política ou a ideologia que a defende.

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Post-scriptum – esse texto está disponível na internet – blogger Noé Martins.